quarta-feira, 27 de abril de 2016

Os discursos nem nem (Ou de como o fascismo se parece com o bom senso)

Não tenho conseguido produzir crônica, porque elas dependem da vida cotidiana. E o presente não permite a vida cotidiana. São dias em que a vida é levada pela enchente dos acontecimentos. O rio da história não permite que se sobreviva à margem. Os amores são suspensos. As amizades são suspensas. O futebol não tem importância... Neste contexto, as crônicas não fazem sentido. E hoje volto a escrever por dois motivos: o primeiro é desopilar o meu fígado, o segundo é ser lido por alguns poucos, que acredito precisam ouvir minhas verdades (destaco o MINHAS, para que não entendem como A verdade).
Desde a votação, tenho observado as conversas nos espaços que frequento. Sejam eles virtuais ou reais. Numa dessas conversas que presenciei, me lembrei dos meus amigos nem, nem. Eles sempre nem foram a favor e nem contra nada. Caminharam sobre um muro imenso (ou acreditavam estar caminhando) e reproduziam isso com certo ar de superioridade. Como se pelo fato de nem optarem por um lado, nem por outro, lhes conferisse um lugar de autoridade, de superioridade para falar sobre qualquer coisa. 
O problema do discurso nem, nem é que ele é simplificador. Ele dizia claramente, nem Bolsonaro e nem Jean Willis, porque nem sou a favor da tortura, nem sou a favor da cusparada. Ambos são processos desumanos. Nem sou a favor dos militares e nem sou a favor da esquerda. 
Outro respondia, concordando de modo elegante, com um belo topete supostamente intelectual, só porque tem diploma de engenharia. Verdade, eu nem sou a favor da tortura dos militares, mas não posso concordar também com as torturas de assassinos como Che Guevara e Carlos Marighella, esse terrorista apoiado pelo PT!
Caro leitor, amiga leitora. O discurso nem nem é construído por meio da aproximação de elementos, que não necessariamente são opostos, mas são colocados nessa condição. Por exemplo, tortura x cusparada. Com isso, produzem o efeito de encontrarem, nessa zona nebulosa, que nunca fica clara em seus discursos, um lugar iluminado de salvação. Não percebem, no entanto, que os opostos não são opostos reais, mas construtos de sua imaginação. A partir disso, se posicionam como se tivessem bom senso, e portanto, uma posição especial em meio a polarização. Com isso, recebem o endosso da platéia, também fascista. (Obrigado, Roland Barthes, por suas Aulas).
Parece bom senso, mas no fundo é fascismo. É esvaziar a discussão política real, trazendo uma falsa polêmica. Dito isso, tentarei explicar porque são falsos.
Hora, Jean Willis errou ao cuspir em Bolsonaro. Diria que sim. Se eu estivesse no lugar dele, teria dado uma porrada no meio do nariz dele. Brincadeiras (ou não) a parte, pode ser que tenha cometido um equívoco político, tenha sido dominado pela emoção, e muitas vezes, a política não permite tal situação. No entanto, é preciso lembrar que somos humanos. A fala do Bolsonaro, exatamente antes dele, com aquela arrogância, seguida das provocações que desferiu ao parlamentar, levaram aquela posição, que pode inclusive ter sido uma postura política, porque não? 
A grande diferença entre um e outro é assumir seus atos. Jean assume. Bolsonaro se nega a assumir... Digo sobre seus atos. Xingou uma parlamentar, agrediu um senador fisicamente, maltrata jornalistas que o questionam, não sabe lidar com as divergências e nem é preciso dizer mais nada se você olhar esta foto
Colocar Jean e Bolsonaro como opostos é simplificar a realidade. Socialismo e Nazismo não são a mesma coisa, só que um de direita e outro de esquerda. Isso é não conhecer o que foi o Nazismo, a tortura, nem o simbolismo de se defender tais práticas. Mas é menos ainda ter entendido do que se trata a luta pelo socialismo. Nem de perto, o os que lutam pelo socialismo pretendem aprisionar as pessoas ou matar a pauladas os burgueses. Nem mesmo sujeitos como o Bolsonaro. O que se pretende é distribuir a riqueza acumulada pela humanidade, de tal modo a que todos tenham oportunidades iguais. É a universalização de direitos e liberdades. E não o que defende um filhote autoritário como esse. Se na prática os socialismos que tivemos como modelo se converteram em outra coisa é preciso que se discuta isso, sem dúvida. Mas ainda assim, nem de perto podemos comparar Hitler a Fidel Castro, por exemplo. 
Isso nos leva a compreender melhor o que foi a Ditadura Militar e o porquê a luta de classes muitas vezes se torna violenta. Sobretudo no Brasil. Marighella, Dilma, Lamarca, Oswaldão e todos que pegaram em armas contra a ditadura não eram terroristas. Eles não andavam pelas ruas assustando as pessoas. Inclusive um pouco de história faz bem. Nos depoimentos sobre a Ditadura, as pessoas comuns que os conheceram, os admiravam. Diziam que eram sujeitos que gostavam de gente. Que gostavam de povo e que não entendiam os motivos que levavam pessoas tão boas, a serem massacradas daquele jeito, ou perseguidas pelo exército. 
Também é preciso lembrar, porque falta aula de história pra essa gente (aliás, a quantidade de historiador em cima do muro que conheço é impressionante) que a luta armada não começou antes da Ditadura, mas foi uma reação a ela. Conta-se que em 1964, logo após o golpe, Marighella, já perseguido pela nascente repressão, tentou fugir de militares entrando em um cinema. Lá foi alvejado três vezes, resistiu a prisão, foi preso e torturado. Não entregou nenhum companheiro e conseguiu ser solto por um jurista. Ainda não era o tempo do AI-5. Após esse episódio, ele se convenceu de que não havia outra possibilidade se não lutar armado contra a ditadura. E assim o faz, porque viver simplesmente se tornou inviável. 
Também vale ressaltar, que Marighella não lutava para ter apartamentos e nem vivia pensando em comer as companheiras de militância. Era um sujeito dedicado a causas coletivas. Como Che Guevara. 
Agora, veja, vamos além dos binarismos e acompanhem meu último raciocínio. Suponha que o que escrevi sobre o Socialismo seja verdade. Admita isso. Dividir a riqueza não parece algo justo? Afinal, quem acha legal alguém passando fome? Ou alguém dormindo nas praças? Fumando crack nas cidades? Quem gosta de ver uma favela? Agora, suponha que sentemos para negociar uma divisão mais justa da riqueza (vale ressaltar que a riqueza é produzida socialmente, mas apropriada por uns poucos), nem precisa ser uma, digamos assim, revolução, um acordão mesmo entre socialistas e burgueses. Seria ótimo, não seria? Seria mais justo não seria? Sim, seria. 
O problema é que nunca, em nenhum lugar do mundo, a burguesia aceitou fazer esse acordo. Ela nunca quis dividir o lucro. Para dar aumento de salário é uma luta. Imensa luta. Pois bem, então alguns resolvem fazer pressão. E o que eles fazem, em conluio com o estado que eles gerem? Eles batem, torturam, produzem ditaduras, golpes, e acusam, aqueles que lutam por justiça social de terroristas, radicais, loucos. 
Entendeu o porque aqueles pares de oposição não são a mesma coisa? E porque a luta social e política as vezes é violenta? E viu como é desproporcional a comparação? 
Para não deixá-los sem antes um argumento final, no Preâmbulo (justificativas para os artigos que se seguem) da Declaração Universal dos Direitos Humanos, publicado pela Assembléia da ONU em 1948, a qual o Brasil como signatário subordina as suas Constituições, está dito:

"Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão,"

Ora. Ora. Ora. Numa sociedade violenta como a brasileira, não me admira que tenham existido sujeitos que diante da tirania do Capital (ou da escravidão) tenham reagido com o uso da força. O que me admira é que tenham sido tão poucos. E nem de longe, acredito na violência como forma de ação. Mas entendo quando ela se faz presente.


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