quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Das coisas do mar (ou das palavras dizíveis do amar)

Talvez o gesto de caminhar entre pedras que dançamos há pouco
Subindo aqui a esse monte de todas as formas existentes
Fez que me perguntasse se lhe tenho amor 
E se o tenho de que amor é feito esse amar

Olhavamos a imensidão azul que redunda em mistura de céu a mar
Você me olhava esperando uma resposta
Eu não dizia nada porque não sabia exatamente
Começar e menos ainda acabar
Ao ponto de lhe dizer todas as palavras que havia.
E insistia numa teimosia:

As palavras não dariam conta da imensidão azul verde cinza do céuamar
Você, por certo, não entenderia como antes e depois
Divagaríamos e nos desentenderíamos
Em meio a palavras que saem tortuosas como
Ondas incontroláveis, que não sabem
Parar
mas também não sabem quando vem
Se pra lá, ou pra diante, se recuam ou
Avançam.

Como as ondas, as palavras não encontrariam
Chão
E não teriam razões e se rebentariam
Umas contras as outras impacientemente...
E o vento cessaria e a noite chegaria...

Dependendo da lua, a noite, traria mais ou menos maré
E as palavras de novo não saberiam se naquele instante
Muita ou pouca água nos cobriria nas areias
Fugiríamos para as pedras
tentando nos proteger
ou nos jogaríamos na rebentação em busca de uma ilha aérea?

E neste divagar de ondas fluiriam tantas coisas indizíveis,
quanto tentativas de dizê-las
A verdade das palavras ou das ondas é
que elas são a aparência do mar e do amor
Na essência desse aparecer de ondas e palavras há um oceano profundo
É nesse oceano entre tantas espécies conhecidas
E tantas outras fantasiadas que se assentam as ondas

Aqui de cima desse monte não é possível avistá-las todas, mas veja:
O que eu consigo dizer quando fecho os olhos
E pululam estrelas do céuamar
Nas minhas pálpebras oceânicas é uma imensidão
Como entre céu e mar em que tudo são ondas.

Por baixo das ondas, já lhe disse, há um oceano,
Por sobre elas, há outro oceano: o céu
É você isso tudo que posso ver do alto dos montes
É você isso tudo que não tem palavras e não tem fim
É você que é essa mistura fluida, entre céu água sal e ar
Cosmos éter areia, desse infinito que não se acaba
De todas essas ondas, 
Esse mar
Esse oceano céu amar

Nadaríamos, enfim, na calmaria das profundezas
E encontraríamos no fundo desse oceano
A ilha que habita as nuvens
E nos entenderíamos cansados
Em um longo e calmo silêncio

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Silêncios

Silêncio


Descobri nesta semana que ler um monte de crônica, de variados autores, nem sempre ajuda a escrever uma. Mesmo que falassem sobre o processo de produção delas.  Sem assunto as li, na busca de algo surgir.  Nada.
Normalmente, ou falo das coisas mundanas que me inquietam, ou falo de mim mesmo. Ou seja, ou vou pelo intimismo ou pela politização. Ou pelo objetivo ou pelo subjetivo. Dessa vez não. Inovaria, pensei. Ou seja um tema novo, quero dizer um assunto inusitado, ou seja peculiar. Mais de um “ou seja” no mesmo parágrafo... Falta assunto.
Esta ausência é um baita problema para quem vive cercado de pessoas, praticamente em todos os espaços pelos quais passa. O jeito estava em um mergulho interno. E o mergulho interno leva ao silêncio. (Veja só, já comecei a desancar por linhas intimistas...)
Foi ontem, depois de um banho, percebi que precisava de silêncio para criar. Ufa... Chegamos ao assunto...
Falar sobre o silêncio. Façamos silêncio. Fim! E o vazio se instala...
Afinal uma crônica sobre o silêncio é uma conversa encerrada... A hora que se quiser. Façamos silêncio...

O leitor pensaria: Isso, cheguei até aqui pra isso? Isso não é uma crônica é uma piada ruim, feita por um humorista ruim. E eu ficaria sem graça...  Outro leitor diria, com o pincenez nas mãos e o olhar de quem manja dos parangunduns: Não há conversa. Há texto escrito (pausa para ajeitar o pincenez nos olhos), se escrito não tem som, logo tem silêncio. E então eu seria desmascarado, já que esse tom de conversa, entre nós, íntimos leitores, é uma profunda fraude. De fato não há conversa. Não há som. Nem assunto há.

Pois bem, evitemos um ou outro caso de julgamentos precipitados.
Argumentaria contrariando-o, humildemente, claro, que o silêncio é algo além da presença ou ausência do som. O silêncio é um estado de espírito. (Crônica intimista!!!) Talvez nunca haja ausência de som, mas ainda assim há silêncio. Nos lugares mais agitados o silêncio também esta: o minuto que precede o gol, o instante que antecede o gozo entre dois amantes, o coro da plateia num show musical. São formas de silêncio.
Enquanto aqui escrevo, por exemplo, há muito barulho lá fora. Há criança gritando, há um buzinar de carros ensurdecidos, um sibilar de cigarras e aves esquisitas. Mas me sinto em um profundo silêncio, em busca deste ouro raro, a palavra. O silêncio, caríssimo leitor, é uma parte íntima do processo de produção de um texto. Mergulha-se, o escritor, antes de que ele, o texto, saia, numa profunda introspecção silenciosa em busca de algo que desperte nele a delicadeza do dizer. E este mergulho, se feito em meio a aparatos eletrônicos ou vozes estridentes, pouco importa. A busca é pelo silêncio. Este silêncio interno, vazio, mouco, surdo, de quem vê o mundo com os olhos de dentro. (alerta de crônica intimista 3!)
Essa introspecção silenciosa pode ser confundida com melancolia, alheamento ou resignação. Não é nada disso. Nada disso. É busca, é movimento. Pode-se estar inteiramente alegre ou profundamente triste. Nada importa de fato. No texto não vai uma coisa e nem outra. Vão palavras e elas precisam do silêncio. (Crônica intimista, crônica intimista!)

Pulemos de galho. O silêncio também toma parte na política. Nela, quando há silêncio, há autoritarismo. Viu, Cunha? Viu, jovens do 16 de Março? Viu, viu? As ditaduras se ocupam em silenciar. Em não deixar dizer.
E engraçado que isto revela nossa insatisfação crônica, com o perdão do trocadilho. Nas ditaduras temos que fazer silêncio, mas brigamos por falar. Nas democracias, podemos falar, mas gostamos mesmo é do claustro confortável de nossas casas, em busca de silêncio depois de um dia agitado de uma vida mais ou menos. (Ah não, não e não, crônica politizada, não!)
Enfim. Por fim. O silêncio... Ele não é apenas ausência de ruído ou de fala. Mas é também um modo de dizer. Em outras palavras, quase sempre, quando dizemos, escondemos milhões de outros dizeres possíveis, ou que sairiam de outro modo. Explico: para os psicanalistas - estes loucos que buscam sentido em tudo, mesmo não os tendo encontrado em si mesmos - aquilo que não é dito, é muito mais significativo do que o expressado. Para eles, o silenciado é o verdadeiro barulho.
Por exemplo, sempre que algo nos incomoda, deslocamos nosso incômodo para outra coisa. Ao sentir raiva, por exemplo, de alguém, quantas vezes não dizemos que é o outro que nos sente? Ao sentir ciúme, quantas vezes não dizemos que a culpa é do outro. E quantas vezes, pelo medo da rejeição, não dizemos nós que queremos rejeitar? Em todos estes e outros casos, leitor esperto, o que importa é o omitido, o oculto, o que não foi sonorizado, mas está ali, pulando para fora. O dito, nestes casos, apenas uma máscara irrelevante.
E talvez (disse talvez) falar sobre o silêncio, seja isso. Fugir do que realmente precisava ser dito.
Eu não queria, mesmo, mas parece que fiz uma crônica introspectiva.