quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Postou a bandeira da França e foi dormir mais cedo

Com 35 anos, Oswaldinho, pode se dizer, é um advogado bem sucedido. Defensor dos princípios constitucionais e das liberdades individuais, tem como principal preocupação o futuro do Brasil, e porque não dizer, da humanidade. Cresceu em um bairro de classe média de São Paulo. Viveu os anos 80, mas traz vivo em sua memória a pujança da década seguinte. Em sua memória, seu pai, o grande herói que carrega no peito, entrando no sobrado em que moravam com um videogame japonês de última geração, para a época claro, e alguns tênis da nike. Tudo comprado na época em que o dólar era de um pra um.

Se lembra de ter votado no Lula, em 2002. Tinha um pouco de medo dele, mas não sabia bem porquê. Seus pais e a Regina Duarte haviam lhe ensinado muito bem.


Tenha medo Oswaldinho, cuidado com os assaltos, ao chegar em casa veja se não está sendo seguido, São Paulo é uma cidade violenta, gente de bem costuma ser vítima de sequestro, você viu o casal de adolescentes mortos por aquele adolescente?, e aqueles hipócritas do Sou da paz?, e você viu?, os presos tomaram outro presídio, e as brigas de torcida?, meu deus, Oswaldinho, por favor, tome cuidado e que deus te acompanhe, sempre. E Oswaldinho, tinha medo. Não sabia bem do quê, mas tinha medo. Mesmo assim, primeiro ano de faculdade e certa rebeldia, Oswaldinho foi na onda e votou no Lula.

Dois anos mais tarde começou a desconfiar daquele sujeito. Alguns professores alertavam sobre corrupção, sobre aparelhamento de estado, sobre desrespeito às liberdades individuais, sobre a influência de Fidel Castro no governo brasileiro, sobre o apoio de Lula às ditaduras de Venezuela e Bolívia e sobre o fato do presidente preferir cachaça à vinho, fato raro entre os refinadíssimos presidas da República Democrática dos Estados Unidos do Brasil (sic).

Oswaldinho começou um período de questionamentos, uma espécie de politização só que ao contrário.

Que país é esse se perguntava no banho todas as noites? Um analfabeto se tornou presidente. Estudo ao lado de filhos de empregadas. Mulheres, negros, índios e até os viados ficam enchendo o saco de gente de bem. Os bandidos tem bolsa isso. Os vagabundos, bolsa aquilo. Só falta o Corinthians construir um estádio. Ria com seus amigos, sabendo, ainda que inconscientemente que as ameaças eram mais imaginárias, que reais.

Oswaldinho se formou. Em fase, como se diz. Passou na OAB e sua carreira logo decolou. Seu pai agora aposentado já não tinha mais o mesmo poder de compra e nem a importância do passado. O dólar estava alto, mesmo assim, viajou para Europa e Miami com os velhos e a namorada. Feliz, Oswaldinho tinha apenas o incômodo, do que agora chamava de ditadura de esquerda. Daqui a pouco, virão buscar seu Veloster e dividi-lo com os pobres. Gostava de lembrar, no Happy Hour na Vila Madalena que o havia comprado com muito suor e horas sem dormir, depois daquele contrato de um jovem jogador de futebol com a Europa. Ele mesmo redigiu os contratos. Os dois dizia, deixando no ar seu conhecimento profundo sobre como funcionavam as coisas... Enfim, Oswaldinho foi se tornando egoísta e raivoso. E paradoxalmente, cada vez mais preocupado com os rumos da coletividade.

Na última sexta, Oswaldinho surtou. Após os atentados na França, explodiu e resolveu fazer alguma coisa. Basta de ciclovias, de controle sobre o ir e vir limitando a velocidade no trânsito, basta daquela imbecil fazendo discursos ignorantes, chega dessa ditadura petista, chega destes petralhas e destes comunistas vagabundos que não gostam de trabalhar, basta de feminazis querendo dominar o mundo dos homens, de ditadura lesbobicha, de impunidade, de assassinatos, de inconstitucionalidade, chega desta esquerda abortiva maconheira, irresponsável e hipócrita, bando de caviar do caralho. Basta de imigrantes sírios, de imigrantes nigerianos, de qualquer um que não seja brasileiro, ou francês, ou alemão, ou americano, sei lá, que não seja, puro, isso mesmo, pu-ro!

Colocou uma bandeira da França no seu perfil social. Oswaldinho tinha uma missão. E não falharia, por nada. Tinha um aliado importantíssimo em sua missão contra o mal. Esse aliado era o ódio. O ódio como afeto político. Mas ele não sabia disso, bem intencionado que era.

Oswaldinho se considerava puro e muito diferente daqueles terroristas. Um democrata dizia sobre si. Estes terroristas são da mesma laia destes petralhas todos. No mundo de Oswaldinho, ou se é gente de bem como ele, ou você é vermelho. E vermelho de raiva, Oswaldinho misturava tudo em sua cabeça insana. A bandeira da França tremulava na tela de seu Computador. Oswaldinho deitou-se na cama satisfeito.

Apenas, Oswaldinho não conseguia perceber, cego como um fundamentalista que seu ódio era feito da mesma matéria daqueles que explodem bombas em nome de Alah, ou jogam pedras, reais e metafóricas, em nome de Cristo. Não podia conceber que seu ódio é o mesmo ódio de toda guerra, todo maniqueísmo, de toda simplificação que possamos fazer sobre o outro e sobre a realidade. Em suma, Oswaldinho não consegue perceber, porque o ódio cega, que em tempos de crise, o ódio é o afeto político usado por todos aqueles que querem dominar a humanidade, em defesa de seus privilégios e suas castas.

Oswaldinho não conseguia enxergar o futuro, se não preso às lentes de um passado cada vez mais presente. Oswaldinho não sabia, nunca se interessou por política, afinal. Para ele era o nós contra eles, os homens de bem na cruzada contra o mal, contra aqueles, os impuros, os infiéis. Oswaldinho pensou tudo isso e caiu no sono.

Nosso personagem era do Estado Islâmico, mas ninguém o avisara...