quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Historietas de Amor 5 - Um grão

Dizem que se apaixonaram tarde.
Sofria, como um amor deve fazer em tempos de guerra. Sorria em tempos de paz. Quando se conheceram, apesar das diferenças, não se desgrudavam. Tentaram depois de um tempo seguir um rumo próprio, mas havia entre eles o indizível, o inentendível, o inexplicável. Uma destas coisas que ocorre de tempos em tempos entre duas pessoas, que pode ser entre amantes, entre amigos, entre parentes. Não espere, amigo leitor, uma daquelas histórias de paixão efusiva. Esta é uma história de carne e sangue, escrita com a tinta do real.
Era sim uma história de amor às avessas. Viviam discutindo sobre o futuro, esfumaçando o presente. Se desentendiam sobre a política, sobre o jardim que não plantavam nunca, sobre se teriam ou não filhos. Atribulados nas demandas capitalistas da vida. Ele funcionário público, ela assalariada de uma multinacional.
O término do namoro, os levou ao casamento. Nada oficial, mais uma junção de objetos inúteis e dúvidas. Sem tanta certeza, alimentavam dúvidas se não estariam deixando de lado os planos originais. Isso causou inúmeras discussões no primeiro ano. Para onde iriam no natal, na casa dos pais dele ou dela, mesmo que fossem declaradamente contra esta data, uma das poucas questões em que concordavam? A festa do fim de semana, não quero ir, pois vai. Iam. No segundo ano, o melhor daqueles tempos, viajaram juntos, faltaram em compromissos, voltaram a se tocar, se beijar, se sentir.
Este ano não durou muito, mas trouxeram para os próximos os dois filhos. Mais discussões nada diplomáticas sobre o futuro deles. Levar ou não ao futebol no fim de semana, deixar ou não nas sogras. Perderam nesse tempo cabelos, envelheceram junto com a década. Fizeram um balanço e decidiram se separar. Ele terapia, ela sair com as amigas. E os filhos, guarda de quem?
Um mês depois estavam juntos de novo. Ruim juntos, pior separados. Inventariaram a relação por dois anos. Remexeram arquivos. Trocaram farpas. Dormiram sem se falar em cada uma destas etapas. Enfim o acaso fez com que se entendessem. O filho mais velho começou a fumar maconha. Tiveram que conversar, entender, proíbe isso, permite aquilo. A fase passou sem traumas para os envolvidos.
A última vez que foram vistos juntos foi na formatura da filha mais nova. Agora psicóloga, em breve poderia estudar esse e outros amores, afetos, encontros. Coisa estranha, nada como nos filmes. Sabia que seus pais se amavam, de um jeito estranho. Neste dia, a filha o viu sorrindo um riso novo. A mãe entrelaçou os dedos nos deles, deu um sorriso infantil, se foram.
Semana passada, encontrei-os na rua. Perguntei como estavam. Ambos sorriram em silêncio. Sumiram na noite, lentamente, enquanto parado observava o movimento sincrônico de seus ombros.
Haviam descoberto, depois de tantos, que viveram a mais impressionante história de amor. Aquilo que não se narra, entre uma briga e outra. Morreram a morte muitas vezes. Renasceram toda a vida juntos. Como um grão.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Historietas de Amor 4 - Mágoas


Há alguns anos, enquanto olhava pela janela, Maria Isabel especulava. Meus olhos estavam rasos d'água. No dia anterior, havia discutido com uma ex-namorada. Um término mal resolvido, feridas não curadas. Os olhos de Maria Isabel me encontraram neste estado. Ela passava dos cinquenta anos. Radar de sofrimento alheio, foi logo perguntando se “era mulher...”.
Não sabia se ela estava falando comigo, carcomido que estava pela ansiedade. Refez a pergunta completando se “era mulher que tinha me deixado assim...”.
Sorri.
Contei sobre o carro, sobre as dívidas contraídas em conjunto, sobre como me sentia enganado, vulnerável. Burro. E bati com as mãos fechadas no assento da frente. Ela respirou fundo. Perguntei como sabia... Desde que se casara se tornara uma “antena de coração partido”. Namoraram por dez anos. Casou-se pouco depois de completar 25. Ela e o marido tinham pouco a oferecer um pro outro, que não fosse amor. Ao menos era essa sua interpretação. Ele, operário de uma metalúrgica, ela do lar, como se dizia naquele tempo. Quando voltaram da lua-de-mel, passada na casa de um parente na Praia Grande, percebeu que o marido não dormia na cama.
Sempre cansado, mal se falavam. No começo achou que homem devia de ser assim mesmo, calados, preocupados com contas. Devia ser assim o casamento. Tentou conversar uma ou duas vezes sem sucesso. Na terceira, ele foi agressivo, mas não ultrapassou a última barreira da dignidade. Apenas falou alto, depois reprimiu alguns palavrões e foi dormir na sala. Maria Isabel sabia que o marido estava sofrendo, sabia que tinha a ver com o amor. Mas não sabia o que era. De repente, ouviu um pensamento, como se ecoasse dentro de sua cabeça. Ele amava uma mulher, mas não era correspondido. O sangue dela subiu, quem seria esta mulher? O pensamento foi ficando mais nítido, até que...
No dia seguinte, após passar a noite em claro ligando mentalmente todos os fios daquela história, acordou o marido, angustiada. Ele abriu o jogo. Havia rompido com a amante um dia antes do casamento. Não conseguia esquecer a mulher da sua vida. A amante não aceitava o casamento. Ser a outra.
Maria Isabel perdeu o chão. O marido, sem ter para onde ir, continua até hoje ao seu lado. Perguntei se o havia perdoado. Ela disse que o amava, que engolia há trinta anos esta mágoa. Que todos os dias era como se acordasse e tomasse farinha crua com água. Houve dias bons e outros pesados ao lado do marido, mas que aquilo não é história que se esquece.

Maria Isabel contou que desde então ouvia pensamentos de pessoas magoadas. Andava pelas ruas dando conselhos, a quem não lhe pedia e menos ainda lhe pagavam para tal. Me disse que minha mágoa passaria com água. E de fato ela passou, num dia chuvoso, se foi.
Antes de sair perguntei se perdoaria o marido. Se eu perdoar e não ouvir mais pensamentos e nem ajudar as pessoas? Preciso dessa mágoa aqui, bem viva e alimentada todo dia, para poder fazer o que faço.
Maria Isabel morreu semana passada, uma famosa desconhecida do interior de São Paulo, foi câncer de pulmão disse o médico. Mas todos que a conheceram sabiam que foi outra coisa. Foi capaz de tirar a dor de muita gente, mas carregou a sua pro túmulo. Sentindo-se vingada... O marido encontrava-se inconsolável no último sábado. 

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Historietas de Amor 3 - Primeiro Amor

Todos os dias, em suas férias, Zé Roberto despertava nas primeiras horas. Tomava o leite e pedia benção a avó, vestia sua camiseta listrada do Corinthians e descia um dos lados daquela ladeira. Com uma bola de capotão embaixo do braço, acordava cada um dos vizinhos.
Se reuniam antes do sol queimar a pele, afinal era Verão naquele bairro, de uma média cidade da região metropolitana de São Paulo. Aos poucos, o sol começaria a queimar as peles deles, mas não sentiriam.
Suas chuteiras eram os pés descalços, gastos nas pontas dos dedos, com solas grossas. Antes da partida, caçavam tijolos de barro, riscavam a grande área e o círculo central. As linhas traçadas dariam inveja a qualquer pintor moderno rigoroso.
Naquele palco de grama cerrada, retornaram batalhas épicas. Ali se jogou muitos Derbys, muitas finais de Copa do Mundo.
Zé Roberto escolhia Rivelino ou Sócrates, seus amigos que escolhessem pernas de pau. Ademir da Guia, Pelé, Zico, todos presentes. Não havia juízes e nem rádios narrando, mas havia uma plateia de vizinhos, indignados com toda aquela euforia e algazarra dos pequenos peladeiros.
Diariamente, os ânimos se acirravam entre os jogadores, pés e braços se misturavam no gramado improvisado num chão de piche. As partidas duravam um ciclo solar.
No último dia daquelas férias, Betinho, como era chamado pelos amigos, aprontou a perna esquerda e fulminou, certo de que acertaria o alvo, se o goleiro tocasse a bola, perderia a mão, se passasse tocaria no travessão imaginário e explodiria no fundo da rede.
Armou, correu, bateu. Num destes imprevistos, daqueles que aproximam o futebol dos acasos da vida, a bola bateu no travessão, bateu na guia, pulou o muro e saio do estádio, caindo dentro da casa de Seu Custódio.
Tentaram chamá-lo. Após longo silêncio ouviram uma explosão. A bola jogada sobre suas cabeças, murcha, definhada, morta.
- Chorei por duas semanas. Foi sem dúvida a minha mais dolorida separação. Até hoje escuto aquele estampido.
Nunca mais, dizem os daqueles tempos, voltou a se apaixonar. Cresceu, teve filhos. Mas a vida nunca mais foi a mesma desde então.
- Fui traído, a bola bateu numa trave que nem existia. Ela era minha amiga, companheira, não tinha esse direito... lamenta-se.



terça-feira, 18 de outubro de 2016

Historietas de Amor 2 - Velha

Historieta de Amor 2 – Velha


Ele nunca havia lido Schiller, Goethe ou românticos empedernidos. Era um homem, se olhado de longe, bruto, indiferente, frio. Nascido em Damasco, Síria, e deslocado à região de Marília ainda jovem, Youssef costumava passar a hora do almoço, entre uma entrega e outra em seu velho caminhão, sozinho.
De poucos amigos, um pouco pelo temperamento, um tanto pela diferença de línguas, se sentava ao pé da árvore, retirava um canivete e cortava a casca de uma laranja, metodicamente espiralando-a. Nestes tempos da Era Vargas, tempos de Hitler, de exageros de todos os lados, conheceu Antônia, menina simples e de temperamento também forte.
Ele nunca havia se apaixonado, embora tivesse seus quase 20 anos, ela cinco anos mais nova. Rosto magro e pele alva. Viraram em pouco tempo José e Antônia, casal recém-chegado, agora, a um bairro operário em Santo André, São Paulo, onde passaram seus próximos 50 anos.
Suas histórias, encontros e desencontros, seriam como a de muitos daquela geração. Tiveram meia dúzia de filhos, dos quais apenas as meninas sobreviveram. Duas gêmeas e a mais velha. Passaram por uma Grande Guerra juntos, pela Guerra Fria, por duas ditaduras e viram o Brasil vencer quatro Copas e perder umas tantas outras. Muito de um cotidiano, que por ora, prefiro omitir.
No fim da vida, trocavam o nome de todos os netos, das filhas, genros. Viram três bisnetos, não viram os demais, que chegariam após a virada do milênio.
Mesmo com a memória perdida, nunca se perderam um do outro. Antônia morreu primeiro, deixando Youssef. Ele chorou todos os dias, de saudade, de saudade. Chamava pela velha, apelido carinhoso que o impedia de lhe trocar o nome.
Morreu um ano depois, exatamente, como se provasse, em sua inquietude de velho adolescente que sim, em plena virada do milênio, ainda a guerrilheiros dispostos a morrer de amor.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Historietas de Amor - Episódio 1

Naquele vilarejo era a mais antiga história de amor. Contavam-na sempre que ocorria uma separação de um casal que de fato, ao menos na língua daqueles homens e daquelas mulheres, se amavam. 
Ao contarem esta história, era de costume local não precisar datas e nem nomes. Desconfio que estavam, perdidos na longa noite do tempo. Os mais velhos insistiam, quando questionados, que em história tão antiga, não havia espaço e tempo, ou outra categoria, fruto da razão humana, invencionices, crendices filosófico-conceituais.
E o amor daqueles tempos eram puros que inomináveis. Se dizia que tais personagens apenas viviam juntos, como que grudados, inseparáveis, por que eram apenas um.
Para aqueles senhores e senhoras que diziam ter acompanhado tais eventos, não havia noite ou dia. A vida era um eterno amar-se, a si e a outros. Dores e nem impotências havia. Também impérios e desordens não os havia. Somente, havia somente somente.
Eis que um dia, não se sabe quem dos dois, decidiu-se por sair. Alguns diziam que foi ele, que decidiu comprar cigarro e não voltou. Outros que ela enlouquecera de ciúme, não se sabe ao certo de quem. E então, naquele vilarejo fez-se algo que até então não havia existido.
Surgiu o dia e surgiu a noite. Surgiu a culpa, o arrependimento e a vingança. Muitos dizem que toda manhã ele se levanta, quando a vê deitar-se. Outros que ela quem o busca no mesmo horário, quando ele dá os primeiros lampejos de que ainda está vivo. 
Há interpretações alternativas. Numa delas ele sai toda a noite, como quem foge da maluca. Em outras, é ela quem não o perdoa, afinal de contas, não gostava de viciados.
A verdade é que não mais se encontraram, embora um não exista sem o outro. Toda sorte de interpretação é coisa daquela gente desocupada. A verdade é que para os dois, aquela eternidade que tiveram um dia, havia sido suficiente. Era preciso viver até esgotar-se o tempo. Quem sabe um dia, se olhariam novamente?

terça-feira, 24 de maio de 2016

Linguagem, o mundo, as coisas*

Vivi os anos 90, como muitos amigos. Vi desemprego, vi o saque aos bens públicos, vi compra de deputados. Naquele tempo, se usava uma linguagem bem interessante, rebuscada, fina. A imprensa falava de empregabilidade, de privatização e de negociações entre parlamentares.
No universo da linguagem, sempre que temos de usar um termo que nos desagrade, usamos de EUFEMISMOS. Eles servem aos poderosos, porque o mundo, nada é sem a representação que fazemos dele por meio da linguagem. Assim, chamamos as atrocidades do capitalismo, que mata, explora, domina em nível mundial, da palavra linda e doce: globalização.
Quando o PT assumiu o poder, com todas as limitações e equívocos que sempre há nas esferas de poder, não os eximo de responsabilidade, os eufemismos sumiram. A deselegância foi a tônica da imprensa. Surgiram palavras como quadrilheiros, mensalão, petralhas, sapo barbudo, terrorista. Ou seja, o nome das coisas foram os mais pejorativos possíveis. Nem sempre traduzindo o que de fato ocorria. Investigados tornaram-se tão prontamente culpados. Críticas à imprensa foram tomadas como Censura.
Agora, voltamos ao curso normal. 
Golpe se chama Impeachment ou Pacto (poderia sofrer uma condensação: Impacto). Privatização é investimento privado em bens públicos. Cortes é limitação de gastos. Grampos ilegais são chamados de monitoramento estratégico. Invasão de privacidade de investigação jurídica. Escalada autoritária de limpeza da corrupção.
Corruptos que ascendem ao poder tratados como salvadores da pátria. Fascistas por homens de deus. O único nome que eles não podem esconder é o de Temer, que é isso mesmo. Por isso, fica fácil de dizer: Temer jamais. É apenas uma questão de quem manda no acento. Ou seria no assento?

*Inspirado no texto homônimo, do grande Eduardo Galeano, escritor uruguaio.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Os discursos nem nem (Ou de como o fascismo se parece com o bom senso)

Não tenho conseguido produzir crônica, porque elas dependem da vida cotidiana. E o presente não permite a vida cotidiana. São dias em que a vida é levada pela enchente dos acontecimentos. O rio da história não permite que se sobreviva à margem. Os amores são suspensos. As amizades são suspensas. O futebol não tem importância... Neste contexto, as crônicas não fazem sentido. E hoje volto a escrever por dois motivos: o primeiro é desopilar o meu fígado, o segundo é ser lido por alguns poucos, que acredito precisam ouvir minhas verdades (destaco o MINHAS, para que não entendem como A verdade).
Desde a votação, tenho observado as conversas nos espaços que frequento. Sejam eles virtuais ou reais. Numa dessas conversas que presenciei, me lembrei dos meus amigos nem, nem. Eles sempre nem foram a favor e nem contra nada. Caminharam sobre um muro imenso (ou acreditavam estar caminhando) e reproduziam isso com certo ar de superioridade. Como se pelo fato de nem optarem por um lado, nem por outro, lhes conferisse um lugar de autoridade, de superioridade para falar sobre qualquer coisa. 
O problema do discurso nem, nem é que ele é simplificador. Ele dizia claramente, nem Bolsonaro e nem Jean Willis, porque nem sou a favor da tortura, nem sou a favor da cusparada. Ambos são processos desumanos. Nem sou a favor dos militares e nem sou a favor da esquerda. 
Outro respondia, concordando de modo elegante, com um belo topete supostamente intelectual, só porque tem diploma de engenharia. Verdade, eu nem sou a favor da tortura dos militares, mas não posso concordar também com as torturas de assassinos como Che Guevara e Carlos Marighella, esse terrorista apoiado pelo PT!
Caro leitor, amiga leitora. O discurso nem nem é construído por meio da aproximação de elementos, que não necessariamente são opostos, mas são colocados nessa condição. Por exemplo, tortura x cusparada. Com isso, produzem o efeito de encontrarem, nessa zona nebulosa, que nunca fica clara em seus discursos, um lugar iluminado de salvação. Não percebem, no entanto, que os opostos não são opostos reais, mas construtos de sua imaginação. A partir disso, se posicionam como se tivessem bom senso, e portanto, uma posição especial em meio a polarização. Com isso, recebem o endosso da platéia, também fascista. (Obrigado, Roland Barthes, por suas Aulas).
Parece bom senso, mas no fundo é fascismo. É esvaziar a discussão política real, trazendo uma falsa polêmica. Dito isso, tentarei explicar porque são falsos.
Hora, Jean Willis errou ao cuspir em Bolsonaro. Diria que sim. Se eu estivesse no lugar dele, teria dado uma porrada no meio do nariz dele. Brincadeiras (ou não) a parte, pode ser que tenha cometido um equívoco político, tenha sido dominado pela emoção, e muitas vezes, a política não permite tal situação. No entanto, é preciso lembrar que somos humanos. A fala do Bolsonaro, exatamente antes dele, com aquela arrogância, seguida das provocações que desferiu ao parlamentar, levaram aquela posição, que pode inclusive ter sido uma postura política, porque não? 
A grande diferença entre um e outro é assumir seus atos. Jean assume. Bolsonaro se nega a assumir... Digo sobre seus atos. Xingou uma parlamentar, agrediu um senador fisicamente, maltrata jornalistas que o questionam, não sabe lidar com as divergências e nem é preciso dizer mais nada se você olhar esta foto
Colocar Jean e Bolsonaro como opostos é simplificar a realidade. Socialismo e Nazismo não são a mesma coisa, só que um de direita e outro de esquerda. Isso é não conhecer o que foi o Nazismo, a tortura, nem o simbolismo de se defender tais práticas. Mas é menos ainda ter entendido do que se trata a luta pelo socialismo. Nem de perto, o os que lutam pelo socialismo pretendem aprisionar as pessoas ou matar a pauladas os burgueses. Nem mesmo sujeitos como o Bolsonaro. O que se pretende é distribuir a riqueza acumulada pela humanidade, de tal modo a que todos tenham oportunidades iguais. É a universalização de direitos e liberdades. E não o que defende um filhote autoritário como esse. Se na prática os socialismos que tivemos como modelo se converteram em outra coisa é preciso que se discuta isso, sem dúvida. Mas ainda assim, nem de perto podemos comparar Hitler a Fidel Castro, por exemplo. 
Isso nos leva a compreender melhor o que foi a Ditadura Militar e o porquê a luta de classes muitas vezes se torna violenta. Sobretudo no Brasil. Marighella, Dilma, Lamarca, Oswaldão e todos que pegaram em armas contra a ditadura não eram terroristas. Eles não andavam pelas ruas assustando as pessoas. Inclusive um pouco de história faz bem. Nos depoimentos sobre a Ditadura, as pessoas comuns que os conheceram, os admiravam. Diziam que eram sujeitos que gostavam de gente. Que gostavam de povo e que não entendiam os motivos que levavam pessoas tão boas, a serem massacradas daquele jeito, ou perseguidas pelo exército. 
Também é preciso lembrar, porque falta aula de história pra essa gente (aliás, a quantidade de historiador em cima do muro que conheço é impressionante) que a luta armada não começou antes da Ditadura, mas foi uma reação a ela. Conta-se que em 1964, logo após o golpe, Marighella, já perseguido pela nascente repressão, tentou fugir de militares entrando em um cinema. Lá foi alvejado três vezes, resistiu a prisão, foi preso e torturado. Não entregou nenhum companheiro e conseguiu ser solto por um jurista. Ainda não era o tempo do AI-5. Após esse episódio, ele se convenceu de que não havia outra possibilidade se não lutar armado contra a ditadura. E assim o faz, porque viver simplesmente se tornou inviável. 
Também vale ressaltar, que Marighella não lutava para ter apartamentos e nem vivia pensando em comer as companheiras de militância. Era um sujeito dedicado a causas coletivas. Como Che Guevara. 
Agora, veja, vamos além dos binarismos e acompanhem meu último raciocínio. Suponha que o que escrevi sobre o Socialismo seja verdade. Admita isso. Dividir a riqueza não parece algo justo? Afinal, quem acha legal alguém passando fome? Ou alguém dormindo nas praças? Fumando crack nas cidades? Quem gosta de ver uma favela? Agora, suponha que sentemos para negociar uma divisão mais justa da riqueza (vale ressaltar que a riqueza é produzida socialmente, mas apropriada por uns poucos), nem precisa ser uma, digamos assim, revolução, um acordão mesmo entre socialistas e burgueses. Seria ótimo, não seria? Seria mais justo não seria? Sim, seria. 
O problema é que nunca, em nenhum lugar do mundo, a burguesia aceitou fazer esse acordo. Ela nunca quis dividir o lucro. Para dar aumento de salário é uma luta. Imensa luta. Pois bem, então alguns resolvem fazer pressão. E o que eles fazem, em conluio com o estado que eles gerem? Eles batem, torturam, produzem ditaduras, golpes, e acusam, aqueles que lutam por justiça social de terroristas, radicais, loucos. 
Entendeu o porque aqueles pares de oposição não são a mesma coisa? E porque a luta social e política as vezes é violenta? E viu como é desproporcional a comparação? 
Para não deixá-los sem antes um argumento final, no Preâmbulo (justificativas para os artigos que se seguem) da Declaração Universal dos Direitos Humanos, publicado pela Assembléia da ONU em 1948, a qual o Brasil como signatário subordina as suas Constituições, está dito:

"Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão,"

Ora. Ora. Ora. Numa sociedade violenta como a brasileira, não me admira que tenham existido sujeitos que diante da tirania do Capital (ou da escravidão) tenham reagido com o uso da força. O que me admira é que tenham sido tão poucos. E nem de longe, acredito na violência como forma de ação. Mas entendo quando ela se faz presente.