Há
alguns anos, enquanto olhava pela janela, Maria Isabel especulava.
Meus olhos estavam rasos d'água. No dia anterior, havia discutido
com uma ex-namorada. Um término mal resolvido, feridas não curadas.
Os olhos de Maria Isabel me encontraram neste estado. Ela passava dos
cinquenta anos. Radar de sofrimento alheio, foi logo perguntando se
“era mulher...”.
Não
sabia se ela estava falando comigo, carcomido que estava pela
ansiedade. Refez a pergunta completando se “era mulher que tinha me
deixado assim...”.
Sorri.
Sorri.
Contei
sobre o carro, sobre as dívidas contraídas em conjunto, sobre como
me sentia enganado, vulnerável. Burro. E bati com as mãos fechadas
no assento da frente. Ela respirou fundo. Perguntei como sabia...
Desde que se casara se tornara uma “antena de coração partido”.
Namoraram por dez anos. Casou-se pouco depois de completar 25. Ela e
o marido tinham pouco a oferecer um pro outro, que não fosse amor.
Ao menos era essa sua interpretação. Ele, operário de uma
metalúrgica, ela do lar, como se dizia naquele tempo. Quando
voltaram da lua-de-mel, passada na casa de um parente na Praia
Grande, percebeu que o marido não dormia na cama.
Sempre
cansado, mal se falavam. No começo achou que homem devia de ser
assim mesmo, calados, preocupados com contas. Devia ser assim o
casamento. Tentou conversar uma ou duas vezes sem sucesso. Na
terceira, ele foi agressivo, mas não ultrapassou a última barreira
da dignidade. Apenas falou alto, depois reprimiu alguns palavrões e
foi dormir na sala. Maria Isabel sabia que o marido estava sofrendo,
sabia que tinha a ver com o amor. Mas não sabia o que era. De
repente, ouviu um pensamento, como se ecoasse dentro de sua cabeça.
Ele amava uma mulher, mas não era correspondido. O sangue dela
subiu, quem seria esta mulher? O pensamento foi ficando mais nítido,
até que...
No
dia seguinte, após passar a noite em claro ligando mentalmente todos
os fios daquela história, acordou o marido, angustiada. Ele abriu o
jogo. Havia rompido com a amante um dia antes do casamento. Não
conseguia esquecer a mulher da sua vida. A amante não aceitava o
casamento. Ser a outra.
Maria
Isabel perdeu o chão. O marido, sem ter para onde ir, continua até
hoje ao seu lado. Perguntei se o havia perdoado. Ela disse que o
amava, que engolia há trinta anos esta mágoa. Que todos os dias era
como se acordasse e tomasse farinha crua com água. Houve dias bons e
outros pesados ao lado do marido, mas que aquilo não é história
que se esquece.
Maria
Isabel contou que desde então ouvia pensamentos de pessoas magoadas.
Andava pelas ruas dando conselhos, a quem não lhe pedia e menos
ainda lhe pagavam para tal. Me disse que minha mágoa passaria com
água. E de fato ela passou, num dia chuvoso, se foi.
Antes de sair perguntei se perdoaria o marido. Se eu perdoar e não ouvir mais pensamentos e nem ajudar as pessoas? Preciso dessa mágoa aqui, bem viva e alimentada todo dia, para poder fazer o que faço.
Maria Isabel morreu semana passada, uma famosa desconhecida do interior de São Paulo, foi câncer de pulmão disse o médico. Mas todos que a conheceram sabiam que foi outra coisa. Foi capaz de tirar a dor de muita gente, mas carregou a sua pro túmulo. Sentindo-se vingada... O marido encontrava-se inconsolável no último sábado.
Antes de sair perguntei se perdoaria o marido. Se eu perdoar e não ouvir mais pensamentos e nem ajudar as pessoas? Preciso dessa mágoa aqui, bem viva e alimentada todo dia, para poder fazer o que faço.
Maria Isabel morreu semana passada, uma famosa desconhecida do interior de São Paulo, foi câncer de pulmão disse o médico. Mas todos que a conheceram sabiam que foi outra coisa. Foi capaz de tirar a dor de muita gente, mas carregou a sua pro túmulo. Sentindo-se vingada... O marido encontrava-se inconsolável no último sábado.
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